quinta-feira, 30 de abril de 2015

Um planeta instável


Autor: Mario Arthur Favretto

A superfície do planeta Terra não é estável e sempre ocorrem mudanças. Todos os anos é possível observar notícias sobre terremotos, maremotos e vulcões que entram em erupção. Há também eventos atmosféricos que provocam alterações na superfície, como furacões e enchentes. Estes eventos são um reflexo e um lembrete constante de que nosso planeta não é estável; a natureza é o oposto, extremamente dinâmica. Algumas dessas mudanças influenciam continentes inteiros, como é o caso da deriva continental. 
Questionamentos acerca da estabilidade e imutabilidade dos continentes foram feitos ao longo dos séculos por diversos geógrafos que notaram que as costas de diversos continentes poderiam encaixar-se umas nas outras, conforme se pode notar em um mapa. Porém, quem primeiro realizou estudos aprofundados para demonstrar estes fatos foi Alfred Wegener, com sua obra publicada em 1912, A Origem dos Continentes e Oceanos, que demonstrou que os continentes deveriam ser separados em placas tectônicas. Apesar disso, ele não demonstrou o que exatamente impulsionava a movimentação dos continentes (Bryson, 2005).

Alfred Wegener. Fonte: Wikimedia Commons.

Em 1944, o geólogo Arthur Holmes com a obra Principles of physical geology, demonstrou que o aquecimento radioativo gerado pelo núcleo da Terra, poderia gerar correntes de convecção nas camadas do manto (uma camada de estrutura da Terra localizada abaixo da superfície/crosta terrestre), assim influenciando a crosta terrestre e fazendo-a se mover (Bryson, 2005). Com toda essa movimentação a crosta terrestre acabou ficando dividida em diferentes partes, denominadas placas tectônicas. Com essa repartição nos pontos de encontro dessas placas pode ocorrer intensa atividade sísmica e vulcânica, devido à sua fragilidade.
Desta forma, no encontro de algumas placas, pode ocorrer, por pressão interna das correntes de convecção, um constante derramamento de magma, que ao se solidificar, auxilia a criar mais pressão que acaba por empurrar as placas tectônicas, fazendo-as se afastarem. Em outros pontos, uma placa tectônica pode estar sendo empurrada para cima de outra, com a de baixo sendo direcionada de volta para o manto. Esses movimentos podem ser lentos e constantes ou a pressão pode se acumular provocando um grande deslocamento da placa tectônica, semelhante ao observado no Japão com o maremoto de 2011, onde a principal ilha do país foi deslocada em 2,4 m para o leste e o eixo da Terra foi alterado em 10 cm (Shrivastava 2011). O maremoto e sismo que ocorreram no Oceano Índico em 2004, causaram uma movimentação na placa tectônica da Índia de até 20 m em alguns pontos, além de ter alterado a posição do Polo Norte em 2,5 cm e também a rotação da Terra (Walton 2005).
A placa que é empurrada para cima, com o acúmulo dessas alterações, pode acabar gerando grandes cadeias de montanhas, com eventuais deslocamentos que podem chegar a alguns metros durante eventos sísmicos, como Charles Darwin observou em sua viagem a bordo do Beagle quando visitava o Chile em 1835. Na ocasião ocorreu um grande terremoto, seguido de um maremoto, e que ocasionou a elevação de alguns pontos da costa. E na ilha de Santa Maria, localizado ao sul de Concepción (no Chile), conforme medições realizadas pelo capitão do Beagle, FitzRoy, a elevação da superfície chegou a 3 m (Keynes 2004, Darwin 2008, Darwin 2009).
Graças a essas alterações graduais que fósseis de moluscos marinhos podem ser encontrados no alto de montanhas, e conforme Darwin observou, em alguns locais os fósseis indicam que a crosta estava acima do nível do mar, tendo sido posteriormente submersa e novamente soerguida, havendo fósseis de moluscos marinhos e de árvores intercalados em diferentes camadas das rochas (Keynes 2004, Darwin 2008, Darwin 2009).
Outra implicação que demonstra a movimentação das placas tectônicas é que se os continentes permanecessem parados, todos os milhões de toneladas de matéria erodidas pelos rios e levadas aos oceanos anualmente (por exemplo, as 500 milhões de toneladas de cálcio), multiplicando-se por todos os milhões de anos que isto ocorre, deveria haver 20 km de sedimentos no fundo dos oceanos, fato que não ocorre (Bryson 2005). 
A questão é que os continentes se deslocam como uma esteira rolante, mas em geral lentamente. Em alguns casos, a partir do encontro de duas placas tectônicas, como ocorre no fundo do Oceano Atlântico em que se encontra uma cordilheira submersa, de norte a sul, eventualmente os picos desta cordilheira emergem, caso dos Açores e ilhas Canárias. No meio desta cadeia de montanhas localizada submersa no Oceano Atlântico há uma fenda, com até 20 km de largura e extensão de 19.000 km. Em algumas partes desta fenda o magma emerge e vai pressionando as camadas já solidificadas para as laterais e como indicam as datações realizadas, quanto mais próximas da fenda, mais recente é a rocha que emergiu do manto, e quanto mais distante, mais antiga (Bryson, 2005).
Multiplique-se estas alterações por milhões de anos, e o que temos são mudanças constantes na superfície terrestre, modificando os ambientes. Assim, para que as espécies sobrevivam, também precisam se modificar. Como muitas vezes a fauna e a flora são deslocadas junto com os continentes em suas movimentações ao longo de diferentes climas, acaba-se por criar um sistema natural de seleção. Aqueles indivíduos que possuem alguma característica que os torne mais aptos a sobreviverem e se reproduzirem diante das alterações ambientais, são os que passarão seu material genético adiante, mantendo sua “linhagem”, apesar das alterações que elas sofreram por influências genéticas e ambientais.

Referências:
Bryson, B. (2005) Breve história de quase tudo. São Paulo: Companhia das Letras.
Darwin, C. (2008) Viagem de um naturalista ao redor do mundo, v. 1. Porto Alegre: L&PM.
Darwin, C. (2009) Viagem de um naturalista ao redor do mundo, v. 2. Porto Alegre: L&PM.
Keynes, R.D. (2004) Aventuras e descobertas de Darwin a bordo do Beagle, 1832-1836. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Shrivastava, S. (2011) Earthquake shifts Japan islands and Earth axis. World Reporter. Disponível em: <http://www.theworldreporter.com/2011/03/earthquake-shifts-japan-islands-and.html> Acesso em: 17 de março de 2013.
Walton, M. (2005). Scientists: Sumatra quake longest ever recorded. CNN. Disponível em: <http://edition.cnn.com/2005/TECH/science/05/19/sumatra.quake/index.html> Acesso em: 17 de março de 2013.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Os insetos e (um pouco sobre) sua importância na área forense


Autora: Emili Bortolon dos Santos


Os insetos formam o grupo mais diverso de animais em nosso planeta. Existem cerca de um milhão de espécies já descritas e em cada ordem em particular, há a estimativa de que muitos mais desses seres ainda estão para serem descobertos pela ciência. Estes animais possuem uma importância que não pode ser expressada apenas em palavras, são organismos extremamente relevantes, como exemplo, podem participar da ciclagem de nutrientes (devido principalmente a seus hábitos decompositores), atuar na polinização de espécies de plantas, e, em uma visão mais antropocêntrica, atuar no controle de pragas que prejudicam cultivares. Além disso, podem também possuir importância médica devido a tantos agentes etiológicos causadores de doenças que podem transmitir aos seres humanos e outros animais.
Os insetos podem ainda ter uma grande importância na área forense, que se ocupa da resolução de crimes e alguns outros problemas judiciais. Isso ocorre devido a seu hábito alimentar, pois para se desenvolverem, muitos insetos podem utilizar carcaças de outros animais para se alimentarem, ademais, podem ainda as utilizar para ovipositar ou ainda para predar as espécies que são atraídas pelas carcaças. Por outro lado, deve ser levado em consideração que os insetos podem se alimentar de produtos armazenados ou mesmo alimentos frescos, o que pode causar certo incômodo a algumas pessoas devido ao fato de estas poderem os encontrar em seus alimentos. Este é outro exemplo de utilização desses animais na Entomologia Forense, o que pode resultar muitas vezes em processos judiciais contra empresas alimentícias.
Mas como especificamente os insetos pode ser utilizados na resolução de crimes? Existe um termo na área criminalística que é denominado “Intervalo pós-morte”, que se trata do tempo que o corpo encontrado está morto. Para se determinar isso são utilizados vários fatores, como é o caso da temperatura corporal e rigidez cadavérica. Como já foi comentado, os insetos podem se sentir atraídos pelo cadáver ou por outros fatores relacionados a ele, e, assim, estes animais podem colonizá-lo. Assim, com base nos insetos encontrados pode-se estimar o intervalo mínimo e máximo de morte do agora cadáver.
Mas como isso é feito? Os insetos (grande parte imaturos) que são encontrados nas carcaças são coletados e criados em laboratório, para que se estime a duração de cada estágio de vida destes animais. Por exemplo, se uma larva de mosca de terceiro instar (estágio de desenvolvimento) é encontrada, pode-se criá-la nas condições mais similares possíveis ao ambiente natural e verificar o tempo de desenvolvimento de cada estágio. Isso vai gerar estimativas de quanto tempo atrás o inseto colonizou a carcaça. São feitos estudos geralmente em carcaças de porcos, onde os mesmos são acompanhados diariamente para verificar quais ordens de insetos colonizam estas carcaças em cada dia que passa.
Dessa forma, sabe-se atualmente que os primeiros insetos a colonizarem carcaças são dípteros (no caso, moscas), principalmente da família Calliphoridae. Além desta família, Muscidae e Sarcophagidae (Diptera) também podem ser encontradas nas fases iniciais, e insetos da ordem Coleoptera (besouros), como é o caso de Silphidae, Histeridae e Staphylinidae, estes ainda podem ser encontrados nas fases iniciais-intermediárias. Com relação ao final do processo de decomposição, os insetos que podem atuar são em sua maioria besouros, como os escaravelhos (Scarabaeidae). No entanto, muitos outras ordens, além de Diptera e Coleoptera (as mais frequentes), podem ser encontradas em carcaças, como é o caso da ordem Mecoptera.
A Entomologia Forense surgiu há cerca de 150 anos atrás, sendo considerada uma ciência jovem, no entanto, apesar disso, já está bem estabelecida. Para quem tem interesse nessa área, é relevante dizer que tem que se ter muita paciência, pois muitos dados podem ser afetados por alguns fatores, como os abióticos (e.g. temperatura, umidade). Porém, é uma área fascinante e ao mesmo tempo forma profissionais que possuem grande importância na sociedade, pois podem reconstruir cenas de crimes com bases em seres que muitos consideram insignificantes. Há que se levar em consideração que estamos em nosso planeta há um tempo ínfimo se formos comparar com o tempo que os insetos já estão estabelecidos. Mas mesmo assim, temos um grande poder em nossas mãos, que é o de contribuir para a melhoria da sociedade, assim como os entomólogos forenses o fazem.


Referências utilizadas

Amendt J. et al (2004) Forensic Entomology. Naturwissenschaften 91: 51-65.

Lindgren N.K. et al (2015) Four Forensic Entomology Case Studies: Records and Behavioral Observations on Seldom Reported Cadaver Fauna With Notes on Relevant Previous Occurrences and Ecology. Journal of Medical Entomology 52: 143-150.



Oliveira-Costa J. 2011 Entomologia Forense: Quando os insetos são vestígios. Campinas: Millennium. 502 p.



quinta-feira, 16 de abril de 2015

Darwin e suas motivações, muito além da compreensão da vida

Autor: Mario Arthur Favretto


Muitas pessoas acham que os estudos de Charles Darwin acerca da seleção natural aplicam-se apenas para a compreensão da evolução ou da natureza, muitos o condenam por querer aproximar o homem dos animais, porém desconhecem o lado humanista por detrás deste pesquisador. A família de Darwin sempre foi muito ativista em defender a libertação dos escravos e os direitos dos animais, Darwin logicamente herdou esta moral de sua família, fato comprovado por meio de seu repúdio em relação à escravidão demonstrado em seu livro “Viagem de um Naturalista ao redor do Mundo” quando então em visita ao Brasil presenciou as crueldades contra os escravos.


Neste aspecto é possível afirmar que ler “A Origem das Espécies” dentro do contexto histórico da época em que foi escrita torna-a muito mais envolvente. O período era de muita turbulência entre as pessoas pró-escravidão e as contra escravidão, os países escravagistas defendiam suas ideologias baseadas na Bíblia que afirma que os negros foram amaldiçoados e que no livro de Levítico defende a escravidão, ensinando até mesmo como surrar um escravo sem matá-lo e que pais podem vender seus filhos como escravos.
Assim se o livro sagrado fazia tais menções à escravidão se justificava, e muitos pseudocientistas da época utilizavam-se da frenologia para complementar a veracidade bíblica. A pseudociência da frenologia afirmava que o caráter de uma pessoa poderia ser definido pelo formato da cabeça da mesma e assim estes encontravam características para justificar a suposta inferioridade de povos africanos e indígenas. Além de haver outros que afirmavam que as diferentes raças humanas eram espécies diferentes criadas por deus independentemente, assim os brancos seriam divinos e os demais povos, apenas animais colocados no mundo para servirem aos filhos de deus (no caso, os brancos europeus).
Desta forma, a libertação de escravos precisava urgentemente ter uma justificativa embasada na ciência para firmar-se. Darwin e seus parentes acreditavam que como todos os homens descendiam de Adão e Eva a escravidão não era justificável, pois seriam todos parentes, tendo o referido casal como ancestral comum, assim como, todas as criaturas vivas sendo criações divinas não poderiam ser torturadas e escravizadas, mesmo com as justificativas bíblicas a favor da escravidão. Esta “causa” de provar cientificamente que a escravidão e a tortura em animais era algo injustificável foi um dos grandes impulsos para que Darwin prosseguisse com suas pesquisas e coletas de dados sobre a evolução.
Quando Darwin publicou o seu livro “Origem das Espécies” não estava apenas provando que as espécies podiam se modificar ao longo do tempo permitindo o surgimento de novas espécies, ele também indiretamente estava provando que todas as ditas “raças” humanas eram na verdade uma mesma espécie, mas com variações fenotípicas. Conforme fortemente demonstrado que também poderia ocorrer em outras espécies, como os pombos domésticos dos quais ele tratou intensamente em seus primeiros capítulos do referido livro, pois estas aves apresentam diversas diferenças físicas, assim como os cães, mas ainda são a mesma espécie. Justificando a ocorrência destas variações, também demonstrou-se que a escravidão não estava sendo realizada da espécie “homem branco divina” sobre o “animal negro”, mas que estava sendo realizada sobre indivíduos da mesma espécie, sobre irmãos e parentes ligados por um ancestral em comum.
Darwin só conseguiu derrubar a frenologia e outras justificativas escravagistas “pseudocientíficas” graças a grande quantidade de dados que ele reuniu demonstrando a ocorrência da seleção natural em diversas espécies e por toda a natureza, ele foi além dos seus familiares que realizavam ativismo pela libertação dos escravos. Ele provou por meio da ciência que os escravos eram a mesma espécie que o homem europeu, ele comprovou que por meio de modificações acumuladas ao longo do tempo todas as espécies compartilhavam um ancestral em comum. Claro que como consequência, estes dados acabaram por demonstrar que o mito bíblico sobre a criação dos seres vivos estava errado e que os humanos não estavam acima dos demais seres vivos.
Tirando o homem europeu de seu pedestal e colocando-o em igualdade aos demais povos do mundo, assim como, junto aos demais animais, Darwin derrubou uma visão que há muito prevalecia na Europa. Porém, muitos ainda consideravam os humanos como sendo superiores por possuírem sentimentos e seguindo a justificativa bíblica de que os demais animais existiam para servir ao homem, continuaram com diversas atrocidades, inclusive com as terríveis pesquisas de vivissecção, onde um animal é aberto ainda vivo para entender o funcionamento de sua fisiologia.
Darwin sendo extremamente contra o sofrimento e tendo inclusive largado a faculdade de medicina por não conseguir acompanhar as cirurgias (que na época eram realizadas sem anestesia), não pode deixar de realizar mais pesquisas para fundamentar a sua moralidade e de seus familiares contra o sofrimento de seres vivos, dando origem a mais outra obra “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”, assim como o seu “Origem”. Este livro também causou polêmica, comprovando que os outros animais também compartilham sentimentos humanos e que então muitas práticas humanas estariam causando grande sofrimento a estes seres.
Enfim, vemos que Charles Darwin também não foi apenas um pesquisador, ele utilizou a ciência para melhorar o mundo, demonstrando que tudo que era usado para justificar a escravidão e as torturas contra animais não possuíam qualquer fundamento. Estas defesas não ficam claramente expressas em suas obras, mas em suas cartas e anotações foi onde estas preocupações foram encontradas. Ele demonstrou um dos principais meios pelo qual as espécies evoluem, mas também derrubou o homem de seu pedestal divino, colocando-o junto aos outros seres e em igualdade. Uma lição de humildade para quem aprecia todos os aspectos da natureza.



·         A título de curiosidade, Darwin também comprovou que as plantas são polinizadas por insetos em seu livro “On the various contrivances by which British and foreign orchids are fertilized by insects, and on the good effects of intercrossing”. Na época acreditava-se que pelo fato de as flores possuírem tanto órgãos masculinos e femininos, o fato de insetos carregarem o pólen era simples erro do acaso. Porém, com a realização de diversos experimentos com orquídeas, tanto por meio de autofecundação e fertilização entre diferentes indivíduos, assim como por diversas observações a campo, ele demonstrou a importância dos insetos na polinização. Em consequência também reuniu diversos dados demonstrando a coevolução entre estes diferentes seres.

Para saber mais:


DESMOND, A. & MOORE, J. A causa sagrada de Darwin. Tradução de Dinah Azevedo. Rio de Janeiro: Record, 2009.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ensaio cético I

Autor: Mario Arthur Favretto

A sociedade e as culturas ao longo de toda a história têm buscado explicações para os mais variados fenômenos que ocorrem no cotidiano humano, eventos aleatórios e coincidências sempre são interpretados como de origem paranormal. Aparentemente as pessoas não conseguem apreciar a realidade em sua plenitude, difícil compreender o motivo de não enxergarem sua beleza, sempre preferindo respostas mágicas.
As pessoas em geral simplesmente aceitam o que lhes é ensinado quando na infância, em uma época em que o cérebro ainda está se formando, pré-disposto a conhecer o mundo, os pais enchem a mente das crianças com convicções relacionadas ao paranormal. E assim estas ideias ficam impregnadas na mente humana, passadas de geração em geração, afastando as pessoas da beleza da realidade e do conhecimento científico. Se tais crenças permanecessem apenas para si não haveria problema nenhum, porém elas são levadas ao nível do fanatismo, assim os pais negam a seus filhos a liberdade de questionar e pensarem por si mesmos ou de modo diferente. Piorando a situação, doenças não são tratadas de forma correta pelo fato de as pessoas apelarem para a crença e não para a ciência médica e guerras são originadas em nome das crenças.
 O não questionamento permite que ideias sejam usadas para justificar as mais variadas barbáries e omissões, daí advém a necessidade do ceticismo, do questionamento, da dúvida. Se os eugenistas tivessem dúvidas quanto aos seus atos o holocausto teria ocorrido? Se os terroristas motivados pelo fanatismo religioso tivessem dúvidas quanto ás suas crenças, cristãos e islâmicos estariam em guerra desde a antiguidade? A convicção plenamente aceita pode gerar inúmeros atos atrozes.
             Onde então percebemos que apenas o amplo questionamento e análise por diferentes pontos de vista podem permitir um aperfeiçoamento do conhecimento humano, expondo todas as crenças ao crivo de um pensamento crítico. Relegando nossos desejos de existência de sobrenatural à lixeira de nossos pensamentos e permitindo que a racionalidade e o questionamento plena possam agir sobre as questões relacionadas ao avanço da ciência e do conhecimento. Sem mais atos originados de fanatismo, sem mais omissão de doenças em prol de curas supersticiosas inexistentes, sem mais impedir as pessoas de questionarem. O cotidiano em sua beleza real, pois um jardim não precisa ter fadas para ser considerado belo.

domingo, 5 de abril de 2015

Veneração ao sol

Texto escrito por Emili Bortolon dos Santos (escrito em 2009)

Se algum dia for obrigatoriedade minha e de todos, idolatrar algo composto por moléculas, o meu escolhido será o SOL... Sem ele, nenhum produtor seria capaz de realizar fotossíntese, transformando moléculas de H²O e CO² em glicose, a partir de processos metabólicos com a força das moléculas de ATP... Com esses processos, o oxigênio é libertado para o nosso cada vez mais impuro AR, nos possibilitando o ato de respirar. A glicose vai constituir parte da biomassa do produtor. Essa última por sua vez, servirá de alimento para o consumidor primário, que pode ser um pequeníssimo peixe... Ele será comido por um médio peixe, que provavelmente será alimento de algumas aves; algumas delas serão certamente capturadas por uma espécie considerada por muitos desentendidos, o ápice da evolução: Homo sapiens. Pronto. Estragou a minha perfeita percepção do sol. Essa espécie age como controladora de toda a matéria que se localiza ao seu redor, tampouco compreende ela, que é uma caloura em termos de vida no planeta.Não! Ela acha que não é. Ela sabe pensar. Ela é um ser racional. Está acima de qualquer outro composto orgânico presente no mundo vivo. Sim! Homo sapiens é um composto orgânico. Um simples composto orgânico.Esse composto orgânico em tempos primordiais receava ser atacado por selvagens animais, pois conviviam equilateralmente. Então, resolveu criar coisas absurdas para amenizar o medo, como por exemplo, um deus ou vários deuses (Sim, deus com letra minúscula. Creio que não seja nome próprio, nem de importância cabível, logo, deve ser iniciado com letra minúscula). Entretanto, o Homo Sapiens não tinha ideia do impacto que sua atitude causaria nas subsequentes sociedades.Com a sucessão da vida e as conseqüências do darwinismo social - onde o mais forte ou mais corrupto leva vantagens sobre o mais fraco ou menos apto para enfrentar o mal - pessoas com o poder de persuadir as outras, viram que aqueles deuses eram bons pretextos. Ótimos pretextos para conseguirem alcançar seus objetivos. Os tementes seguidores aceitavam tudo, sem reclamar. Enfim, a religião mudou o rumo da vida no planeta. Hoje em dia, como muitos falam, a igreja é a mais próspera empresa. Bilhões de pessoas pedem “favores a um ser invisível”. Pior ainda. Esses mesmos indivíduos imaginam que esse ser invisível é capaz de ouvi-las. Sim. Ouvir e ajudar bilhões de pessoas. Tudo ao mesmo tempo! Nossa... Realmente seria bom isso.Seria bom algo assim existir para construir a maior empresa da face da terra, dando assim, empregos para todas as pessoas. Isso resolveria grande parte dos problemas. Com o emprego, as pessoas poderiam se alimentar e educar seus filhos. Educação. A base da estrutura de toda uma vida. Sem ela, as pessoas estão fadadas a simplesmente viver suas vidas mal e porcamente, sem preocupação em ser parte da história de um povo.Voltando a personificação do sol, pensando bem, o homem, como um todo, não estraga a minha concepção. Afinal, bem ou mal, ele faz parte do ciclo da vida. Assim como as moléculas de uma aranha se decompõem e servem de composição a outros seres, igualmente, o mesmo processo ocorre com o ser humano. Ele vai servir de alimento para outros organismos, que certamente deixarão fragmentos não aproveitáveis no solo. Tais partículas serão decompostas pelos seres que, teoricamente fecham a teia alimentar, e então, as plantas usarão os nutrientes que se acumularam no solo para seu crescimento. E assim segue o percurso suntuoso da vida. Agora, fica uma pergunta: O que é mais importante, um deus ou o sol? Cada pessoa tem sua própria visão de resposta correta, é um direito de cada um. Mas o ser que pensa racionalmente, escolheria o sol por questão de imprestabilidade.
Por mais pessimista que possa ser, eu imagino um mundo onde a razão prevaleça sobre as religiões que de nada acrescentam de útil na vida do ser humano. Como falou Richard Dawkins: “Se apagarmos da história, os feitos da ciência e da teologia, qual exclusão teria mais impacto?”. 

A humanidade sofre de carência de pensamento. Talvez seja porque o ato de pensar nas coisas gere dúvidas. Dúvidas não são boas para a Empresa Religião. O dia em que todos voltarem para o mundo real, como se fosse uma regressão aos tempos primordiais de não fé, creio que muitos problemas simplesmente desaparecerão. E o sol. O sol “alegremente” receberá seu devido reconhecimento pelos feitos jamais substituíveis.

Por que entender a evolução pode salvar sua vida?

Por que entender a evolução pode salvar sua vida?
Autor: Mario Arthur Favretto

Publicado originalmente na Revista Eletrônica de Biologia, volume 7, número 1, páginas 71-80. 2014. Link: http://revistas.pucsp.br/index.php/reb/article/view/17095/14685



Ao longo de inúmeras gerações médicos receitaram antibióticos tanto para tratar doenças causadas por bactérias quanto para tratar doenças causadas por vírus, que não são afetados por estas drogas (RICE, 2007). A este fato alia-se a livre comercialização destes medicamentos e seu uso indiscriminado pela população, assim como, a não realização de tratamentos com os prazos prescritos. Como resultado, há a dispersão destes medicamentos por diversos ambientes e pessoas, possibilitando o surgimento de bactérias cada vez mais resistentes.
Juntamente a esta situação, a população também é alertada todos os anos sobre o surgimento de novas formas de vírus, especialmente sobre o risco de gripes pandêmicas. Constata-se também o fato de diversas pessoas serem infectadas com gripe anualmente e também terem de tomar vacina contra estes vírus com a mesma frequência, sem entenderem o motivo de esta vacina precisar ser tão constante.
Muitos podem não imaginar, mas as situações acima mencionadas tratam da mesma questão, evolução. Entender os processos evolutivos por detrás de bactérias e vírus é de especial importância para a criação de ações que busquem evitar uma intensificação das pressões da seleção natural sobre estes seres, de forma que os humanos não sejam continuamente prejudicados, devido ao combate a estes ser realizado de forma inadequada. No presente trabalho é abordada a seleção natural e como estender este processo permite uma melhor compreensão da evolução de vírus e bactérias, fato que pode salvar vidas, impedindo o surgimento de populações cada vez mais resistentes destes seres.

Seleção Natural
A evolução pode ser definida como a mudança na distribuição dos genes dos indivíduos que uma população sofre de uma geração para outra. E um dos principais meios pelo qual a evolução ocorre é a seleção natural, que possui duas etapas uma aleatória e outra direcional. A aleatória em geral ocorre ao acaso, tratando-se do surgimento de variações genéticas por meio de mutações (erros na replicação de DNA ou RNA), reestruturação cromossômica, ocorrente durante a produção de novos indivíduos. No caso de organismo com reprodução sexuada esta variação também é gerada durante a reprodução pela mistura dos genes dos progenitores no momento da fecundação (MAYR, 2009).
A segunda etapa é de eliminação, ou seja, trata-se da pressão do ambiente exercida sobre os indivíduos. Devendo ser compreendido que em uma população de uma espécie os indivíduos não são iguais uns aos outros, há variações, assim sendo nem todos responderão da mesma forma diante das pressões ambientais. Eles não terão a mesma aptidão e capacidade de sobreviverem e se reproduzirem em determinados ambientes e isto resultará na eliminação dos menos aptos. Desta forma, a quantidade de indivíduos eliminados de uma população vai variar conforme os níveis de adversidade do ambiente onde se encontram (MAYR, 2009). No caso de vírus e bactérias, a eliminação dos indivíduos menos aptos dependerá das capacidades do sistema imunológico do organismo infectado ou da presença de determinadas substâncias no ambiente (e.g. antibióticos).
Deve-se ainda considerar que os microorganismos produzem uma enorme quantidade de indivíduos, e este elevado número de exemplares provoca um aumento da probabilidade de surgimento das mais variadas mutações, até mesmo com uma frequência representativa. Desta forma, a ação da seleção natural é facilitada sobre estas populações (NESSE; WILLIAMS, 1997).

Bactérias
Alguns dos grandes problemas atuais em relação à saúde são a evolução bacteriana e o aumento de sua resistência a antibióticos. Diversas políticas públicas têm sido desenvolvidas para tentar minimizar os efeitos dessa rápida evolução, inclusive o controle na venda de antibióticos. Pequenas mutações em plasmídeos permitem que bactérias adquiram de forma rápida a resistência a antibióticos, porém ao surgir estas mutações, os primeiros espécimes a as apresentarem têm um custo por este benefício. A mutação em geral tem efeitos colaterais que dificultam a proliferação destas bactérias em ambientes normais. Assim, as suas aptidões ficam reduzidas diante da população bacteriana que tem sensibilidade a antibióticos. Porém, quando em um ambiente com antibiótico, estas bactérias resistentes estão mais aptas a sobreviverem e com a morte dos espécimes sensíveis elas conseguem aumentar suas populações. Assim, era de se esperar que na ausência de medicamentos por períodos prolongados as gerações resistentes desaparecessem, devido à sua menor capacidade de expansão populacional em relação às sensíveis no ambiente normal (LENSKI, 1998).
No entanto, isto não ocorre, e em apenas 200 gerações, com a continuidade de mutações aleatórias, a seleção natural acaba por favorecer as variedades de bactérias que possuem resistência, mas que possuem uma mutação a mais que as torne mais aptas a proliferarem de forma mais eficiente. Os antibióticos eliminam as bactérias não resistentes, e as variedades resistentes antes pouco numerosas conseguem aumentar sua população e com a retirada do medicamento, em poucas gerações são selecionadas novas mutações propiciando rápida proliferação, virulência e resistência a medicamentos (LENSKI, 1998).
Ressalta-se ainda que os ambientes que causam stress sobre as bactérias, ou seja, reduzem suas aptidões de reprodução, crescimento populacional e/ou capacidades competitivas, como locais com temperatura e pH desfavoráveis ou com presença de toxinas (e.g. antibióticos), originam defeitos nos processo de replicação do DNA ou no próprio funcionamento da DNA polimerase, criando um aumento no número de mutações. Apesar de em sua grande maioria estas mutações serem deletérias, sua maior incidência aumenta a probabilidade de aparecimento de uma que em um ambiente comum seria prejudicial, mas no ambiente estressante ocasiona um benefício para a sobrevivência e reprodução do indivíduo, propiciando o surgimento de indivíduos adaptados a este ambiente (MACLEAN et al., 2013).
Nestes ambientes estressantes até mesmo pequenas concentrações de antibióticos têm um papel muito importante em fortalecer a seleção de bactérias resistentes a estes produtos, pois criam ambientes competitivos que favorecem a reprodução destas variedades. Um fato de especial interesse devido à presença de antibióticos em baixa concentração no meio ambiente, eliminados pelos humanos ou usado nas criações de animais, e baixas concentrações no corpo humano ocasionadas por tratamentos realizados de forma inadequada (GULLBERG et al., 2011).
Outra ferramenta que as bactérias podem usar para a rápida evolução é a troca de genes (transferência horizontal de genes) que pode ocorrer até mesmo entre bactérias de espécies diferentes, acelerando ainda mais a aquisição de resistência a medicamentos e a outras adversidades do ambiente onde elas vivem. Cita-se, o caso da bactéria Neisseria gonorrhoeae, identificada com genes originários de uma bactéria entérica resistente à ampicilina. As variedades de N. gonorrhoeae ao serem identificadas com este gene de resistência tivessem sido tratadas com outro antibiótico logo em seu surgimento poderiam ter sido facilmente eliminadas. Pois o novo plasmídeo com este gene de outra bactéria era muito instável, dificultando a sobrevivência desta na ausência de ampicilina devido à competição com bactérias não resistentes onde as resistentes tinham menor aptidão. Entretanto, com a continuidade deste tratamento a resistência foi apenas sendo beneficiada e em poucas gerações com novas mutações, não tardou para variedades com o plasmídeo mais estável aparecerem e serem favorecidas com maior sobrevivência e reprodução (LENSKI, 1998).
Em um experimento, genes de bactérias que vivem no intestino de insetos foram transferidos para Escherichia coli, a bactéria que vive nos intestinos humanos, e esta passou a apresentar resistência a antibióticos, fato que provavelmente ocorreu devido a muitos insetos se alimentarem de plantas que produzem diversas substâncias tóxicas (KADAVY et al., 2000; ALLEN et al., 2009; ALLEN et al., 2010). Da mesma forma, esta transferência de genes pode eventualmente ocorrer entre diferentes bactérias no ambiente, criando novas cepas infectantes que poderão trazer danos à saúde humana.
Em Mycobacterium tuberculosis a troca de genes tem um papel fundamental na quebra da interferência clonal (ou seja, erros e igualdades geradas pela divisão celular), permitindo uma maior eficiência na eliminação de mutações deletérias. Inclusive uma influência significativa da seleção natural foi detectada na estrutura da parede e membrana celular destas bactérias que não poderia ter se desenvolvido apenas por deriva gênica, havendo a necessidade de uma pressão ambiental que as selecionassem (NAMOUCHI et al., 2012).
Esta pressão ambiental sendo a seleção natural provavelmente ocorrendo devido à uma “corrida armamentista” entre M. tuberculosis e seus hospedeiros, pois esta bactéria produz uma demorada colonização crônica de seus hospedeiros (NAMOUCHI et al., 2012). Ressalta-se ainda que as mutações nesta bactéria possam ocorrer mesmo em uma única infecção de um paciente ou durante sua transmissão (PÉREZ-LAGO et al., 2013).
Outro exemplo, a peste causada pela bactéria Yersinia pestis que gerou três grandes pandemias registradas ao longo da história humana também foi ocasionada por processos evolutivos nestes microorganismos, gerando três variedades diferentes da bactéria (WAGNERS et al., 2004), ou seja, não há como evitar a evolução

Vírus
No caso dos vírus, a melhor forma de demonstrar a seleção natural é iniciar com um exemplo que muito tem preocupado a população nos últimos anos, os vírus da influenza. Os vírus de influenza possuem sequências de RNA e quando eles utilizam as organelas de células que infectaram para produzir cópias desses RNAs são originadas cópias com uma alta taxa de erros, não sendo idênticos ao original. Estas mutações aleatórias são rapidamente selecionadas, dependendo do ambiente onde estão ou do hospedeiro em que estão presentes, assim algumas mutações são eliminadas pelo sistema imunológico do hospedeiro, enquanto outras podem ser mais resistentes e conseguir manter a infecção (TAUBENBERGER; KASH, 2010). Este fato é responsável por ocorrer, nos EUA, em uma estação endêmica típica 200.000 hospitalizações por influenza e 36.000 mortes (TAUBENBERGER; KASH, op cit.).
Nos vírus de RNA, como influenza, a taxa de mutações é de um nucleotídeo incorreto a cada replicação; em retrovírus um nucleotídeo é alterado em média a cada dez mutações, enquanto em vírus e microorganismos com DNA é um erro a cada 300 replicações (DRAKE et al., 1998). Isso demonstra o quão rápida são as alterações sobre vírus de RNA e o quão rapidamente a seleção natural pode agir sobre estes seres, caso eles estejam em um ambiente com constantes alterações. Assim, diferentes aptidões genéticas serão selecionadas.
Mesmo com a elevada taxa mutacional que vírus de RNA possuem, eles ainda se utilizam de mecanismos para evitar que esta taxa não seja ainda maior, pois em uma determinada quantidade a alta taxa mutacional é beneficiada pela seleção natural, favorecendo o surgimento de indivíduos que podem estar aptos a viver em um determinado ambiente modificado. Mas se estas taxas forem muito elevadas, a população viral pode rumar para a extinção, pois nenhum gene que produza uma característica benéfica será mantido nos novos indivíduos (LAURING et al., 2013).
No caso do enterovirus humano 71 (EV-71), os surtos de doença causados por este vírus estão correlacionados com o aumento de sua diversidade genética, assim, o aumento de diversas mutações cria indivíduos com diferentes características dificultando o reconhecimento e eliminação destes patógenos pelo organismo hospedeiro (TEE et al., 2010). No vírus Puumala hantavirus, um causador de hantavirose na Europa, também foram encontradas diversas variedades do vírus no ambiente natural em espécies de roedores. Muitas destas variedades surgiram recentemente, mas apenas algumas se mantiveram, demonstrando também os efeitos da seleção natural sobre a variabilidade gênica gerada pelas mutações aleatórias (RAZZAUTI et al., 2013).
Outra forma de os vírus evoluírem é por meio de uma recombinação genética, talvez sendo mais comum em vírus de RNA, em que eventualmente quando diferentes vírus infectam uma mesma célula os novos indivíduos gerados possuem características de ambos os vírus infectantes. Fato constatado no vírus da influenza H1N1 que possuía genes de vírus de influenza humana, suína e aviária (FRANÇA; CHAVES, 2009).

Considerações finais
Os riscos do surgimento de bactérias cada vez mais resistentes a antibióticos são constantes, por culpa da seleção natural, que em um ambiente onde há a presença destes medicamentos age sobre as populações bacterianas selecionando cepas que tenham maiores aptidões para sobreviver e se reproduzir na presença dos mesmos. Atualmente já foram identificadas bactérias resistentes à quase todos os antibióticos usados clinicamente, entre elas citam-se cepas de Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumanii, algumas inclusive surgindo e sendo transmitidas dentro de hospitais (e.g. Staphylococcus aureus resistente à meticilina) (WALSH; FISCHBACH, 2009; TAN et al., 2013). 
Até mesmo a produção de vacinas de vírus atenuados não escapa dos efeitos da seleção natural, sendo que estes podem eventualmente produzir mutações que de certa forma aumentam sua virulência, ocasionando leves incômodos em pacientes imunossuprimidos, as populares reações às vacinas e manifestações leves dos sintomas da doença, fato observado em vacinas de varicela (QUINLIVAN et al., 2007).
Nesta guerra contra os patógenos, em geral, os humanos estão em desvantagem, pois a seleção natural age de tal forma sobre bactérias e vírus que a evolução de alguns deles em um dia pode ser considerada como o equivalente há quase mil anos em Homo sapiens. E como H. sapiens não consegue evoluir tão rapidamente, como os microorganismos, seu corpo deve estar constantemente alterando as proporções de determinadas células para produzir diferentes anticorpos (NESSE; WILLIAMS, 1997).
Por mais que a humanidade desenvolva novos medicamentos não é possível parar a seleção natural, pode-se tentar reduzir a velocidade com que ela afeta os microorganismos, sendo que o entendimento deste processo pode salvar vidas, ao menos temporariamente. Se novos medicamentos mais fortes não conseguirem parar os microorganismos só restará à humanidade aceitar a evolução e esperar que seus organismos e a variabilidade genética de sua espécie sejam a chave para enfrentar bactérias e vírus, voltando para a corrida “armamentista” entre diferentes organismos.


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