quinta-feira, 16 de abril de 2015

Darwin e suas motivações, muito além da compreensão da vida

Autor: Mario Arthur Favretto


Muitas pessoas acham que os estudos de Charles Darwin acerca da seleção natural aplicam-se apenas para a compreensão da evolução ou da natureza, muitos o condenam por querer aproximar o homem dos animais, porém desconhecem o lado humanista por detrás deste pesquisador. A família de Darwin sempre foi muito ativista em defender a libertação dos escravos e os direitos dos animais, Darwin logicamente herdou esta moral de sua família, fato comprovado por meio de seu repúdio em relação à escravidão demonstrado em seu livro “Viagem de um Naturalista ao redor do Mundo” quando então em visita ao Brasil presenciou as crueldades contra os escravos.


Neste aspecto é possível afirmar que ler “A Origem das Espécies” dentro do contexto histórico da época em que foi escrita torna-a muito mais envolvente. O período era de muita turbulência entre as pessoas pró-escravidão e as contra escravidão, os países escravagistas defendiam suas ideologias baseadas na Bíblia que afirma que os negros foram amaldiçoados e que no livro de Levítico defende a escravidão, ensinando até mesmo como surrar um escravo sem matá-lo e que pais podem vender seus filhos como escravos.
Assim se o livro sagrado fazia tais menções à escravidão se justificava, e muitos pseudocientistas da época utilizavam-se da frenologia para complementar a veracidade bíblica. A pseudociência da frenologia afirmava que o caráter de uma pessoa poderia ser definido pelo formato da cabeça da mesma e assim estes encontravam características para justificar a suposta inferioridade de povos africanos e indígenas. Além de haver outros que afirmavam que as diferentes raças humanas eram espécies diferentes criadas por deus independentemente, assim os brancos seriam divinos e os demais povos, apenas animais colocados no mundo para servirem aos filhos de deus (no caso, os brancos europeus).
Desta forma, a libertação de escravos precisava urgentemente ter uma justificativa embasada na ciência para firmar-se. Darwin e seus parentes acreditavam que como todos os homens descendiam de Adão e Eva a escravidão não era justificável, pois seriam todos parentes, tendo o referido casal como ancestral comum, assim como, todas as criaturas vivas sendo criações divinas não poderiam ser torturadas e escravizadas, mesmo com as justificativas bíblicas a favor da escravidão. Esta “causa” de provar cientificamente que a escravidão e a tortura em animais era algo injustificável foi um dos grandes impulsos para que Darwin prosseguisse com suas pesquisas e coletas de dados sobre a evolução.
Quando Darwin publicou o seu livro “Origem das Espécies” não estava apenas provando que as espécies podiam se modificar ao longo do tempo permitindo o surgimento de novas espécies, ele também indiretamente estava provando que todas as ditas “raças” humanas eram na verdade uma mesma espécie, mas com variações fenotípicas. Conforme fortemente demonstrado que também poderia ocorrer em outras espécies, como os pombos domésticos dos quais ele tratou intensamente em seus primeiros capítulos do referido livro, pois estas aves apresentam diversas diferenças físicas, assim como os cães, mas ainda são a mesma espécie. Justificando a ocorrência destas variações, também demonstrou-se que a escravidão não estava sendo realizada da espécie “homem branco divina” sobre o “animal negro”, mas que estava sendo realizada sobre indivíduos da mesma espécie, sobre irmãos e parentes ligados por um ancestral em comum.
Darwin só conseguiu derrubar a frenologia e outras justificativas escravagistas “pseudocientíficas” graças a grande quantidade de dados que ele reuniu demonstrando a ocorrência da seleção natural em diversas espécies e por toda a natureza, ele foi além dos seus familiares que realizavam ativismo pela libertação dos escravos. Ele provou por meio da ciência que os escravos eram a mesma espécie que o homem europeu, ele comprovou que por meio de modificações acumuladas ao longo do tempo todas as espécies compartilhavam um ancestral em comum. Claro que como consequência, estes dados acabaram por demonstrar que o mito bíblico sobre a criação dos seres vivos estava errado e que os humanos não estavam acima dos demais seres vivos.
Tirando o homem europeu de seu pedestal e colocando-o em igualdade aos demais povos do mundo, assim como, junto aos demais animais, Darwin derrubou uma visão que há muito prevalecia na Europa. Porém, muitos ainda consideravam os humanos como sendo superiores por possuírem sentimentos e seguindo a justificativa bíblica de que os demais animais existiam para servir ao homem, continuaram com diversas atrocidades, inclusive com as terríveis pesquisas de vivissecção, onde um animal é aberto ainda vivo para entender o funcionamento de sua fisiologia.
Darwin sendo extremamente contra o sofrimento e tendo inclusive largado a faculdade de medicina por não conseguir acompanhar as cirurgias (que na época eram realizadas sem anestesia), não pode deixar de realizar mais pesquisas para fundamentar a sua moralidade e de seus familiares contra o sofrimento de seres vivos, dando origem a mais outra obra “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”, assim como o seu “Origem”. Este livro também causou polêmica, comprovando que os outros animais também compartilham sentimentos humanos e que então muitas práticas humanas estariam causando grande sofrimento a estes seres.
Enfim, vemos que Charles Darwin também não foi apenas um pesquisador, ele utilizou a ciência para melhorar o mundo, demonstrando que tudo que era usado para justificar a escravidão e as torturas contra animais não possuíam qualquer fundamento. Estas defesas não ficam claramente expressas em suas obras, mas em suas cartas e anotações foi onde estas preocupações foram encontradas. Ele demonstrou um dos principais meios pelo qual as espécies evoluem, mas também derrubou o homem de seu pedestal divino, colocando-o junto aos outros seres e em igualdade. Uma lição de humildade para quem aprecia todos os aspectos da natureza.



·         A título de curiosidade, Darwin também comprovou que as plantas são polinizadas por insetos em seu livro “On the various contrivances by which British and foreign orchids are fertilized by insects, and on the good effects of intercrossing”. Na época acreditava-se que pelo fato de as flores possuírem tanto órgãos masculinos e femininos, o fato de insetos carregarem o pólen era simples erro do acaso. Porém, com a realização de diversos experimentos com orquídeas, tanto por meio de autofecundação e fertilização entre diferentes indivíduos, assim como por diversas observações a campo, ele demonstrou a importância dos insetos na polinização. Em consequência também reuniu diversos dados demonstrando a coevolução entre estes diferentes seres.

Para saber mais:


DESMOND, A. & MOORE, J. A causa sagrada de Darwin. Tradução de Dinah Azevedo. Rio de Janeiro: Record, 2009.

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