segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ciência, pensamento crítico e crenças

Autor: Mario Arthur Favretto


É comum ocorrer críticas a certos aspectos da Ciência, em especial seu ceticismo diante de certos eventos sobrenaturais e extraordinários citando certos pesquisadores de renome, possuidores de títulos de doutores e de grande quantidade de publicações em certas áreas do conhecimento, que acreditam nestes supostos eventos como verdades. Como se o fato de uma pessoa ter renome ou possuir e compartilhar de certas crenças com outras pessoas, tornassem estas verdadeiras.
Neste quesito esbarra-se no que é chamado de falácia da autoridade, abordada por Carl Sagan em seu livro O Mundo Assombrado pelos Demônios. Essa falácia (um raciocínio errado com aparência de verdadeiro) utiliza-se de apelos para autoridades em certas áreas, como por exemplo, se Einstein, que foi um grande físico, acreditava em evento A, logo esse evento deve ser verdadeiro. Porém, ao fazerem tais afirmações, especialmente relacionadas a coisas sobrenaturais e pseudocientíficas (e.g. homeopatia, heiki, chakras e afins), as pessoas não compreendem que o fato de alguém acreditar ou não em algo, ou de muitas pessoas, acreditarem ou não em algo, não torna isto verdadeiro.
Independente de a pessoa ter obtido ou não conhecimento em mais de uma área do saber, nossos cérebros ainda são sujeitos a falhas, por isso a Ciência utiliza-se de ferramentas como a experimentação, a comparação, a análise e descrição, e também da estatística, para tentar chegar o mais próximo possível de explicações da realidade. Pois se permanecêssemos apenas nos vislumbres imaginários, teríamos uma ampla gama de diferentes opiniões, todas podendo ser falhas devido a ilusões que o cérebro pode sofrer na tentativa de entender a realidade apenas numa visão pessoal e interna.
Por exemplo, uma maior quantidade de dopamina em certas regiões específicas do cérebro pode levar as pessoas a perceberem padrões que não existem no mundo, culminando em níveis extremos em casos de esquizofrenia quando há uma completa ruptura da realidade e a pessoa enxerga padrões completamente inexistentes. Em outros casos, níveis atenuados de dopamina podem influenciar as crenças das pessoas no sobrenatural e assim torná-las mais religiosas, enquanto uma redução deste neurotransmissor pode tornar a pessoa cética em relação ao sobrenatural e a divindades, não vendo mais os padrões inexistentes, ou seja, os agentes externos ao mundo visível. Assim, medicamentos e diferentes situações de vida (e.g. estresse), podem influenciar na quantidade de neurotransmissores em nosso cérebro e alterar nossa predisposição a certas crenças.
Dessa mesma forma estão predispostas autoridades, líderes religiosos e científicos, eles também são humanos, também possuem cérebros com a mesma fisiologia e assim estão sujeitos às mesmas falhas. Estas só podem ser evitadas por meio do cultivo do pensamento crítico, quando analisamos de forma efetiva as evidências que indicam um determinado fato, independente de terem sido proclamadas por uma autoridade ou de ser simplesmente propagada por senso comum. O pensamento crítico é um cultivo de um ceticismo sadio, onde nos tornamos detetives tentando entender o mundo por meio de toda uma cacofonia de crenças e superstições, ordens de autoridades e senso comum, que inundam nossas mentes com informações contraditórias, fazendo que precisemos separar o joio do trigo.
E isto só pode ser realizado quando tentamos apaziguar nossos desejos de sobrenatural ou certas crenças, e passamos a buscar entender realmente a realidade, sem querer ver fadas por todos os lados. As pessoas difundem suas crenças na expectativa de que quanto mais pessoas acreditem maiores serão as chances de que ela seja verdadeira e se deleitam quando uma suposta autoridade aceita essas mesmas crenças e exerce sua influência sobre os demais. Porém, tais desejos e autoridades não podem alterar a realidade, ela continuará a ser o que é, e nossa melhor forma de tentar entendê-la é pela Ciência e com o arsenal proposto por sua metodologia, doses de ceticismo, pensamento crítico, experimentação, análise, descrição, comparação de dados e observações, e estatística.

Referências:
Brancão, M.L. 2004. As bases biológicas do comportamento: introdução à neurociência. Ed. Gráfica Pedagógica Universitária. 244p.
Krummenacher, P., Mohr, C., Hacker, H., Brugger, P. 2009. Dopamine, paranormal belief, and the detection of meaningful stimuli. Journal of Cognitive Neuroscience 22(8): 1670-1681.
Shermer, M. 2012. Cérebro e Crença. JSN Editora. 391p.
Sagan, C. 2006. O mundo assombrado pelos demônios. Ed. Companhia de Bolso. 512p.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Um diálogo sobre Ciência e Religião

Autor: Mario Arthur Favretto

Este texto tem em sua função analisar o aspecto negativo que por vezes a utilização da Ciência para combater a Religião pode ter, onde ao invés de uma aproximação do conhecimento cientifico acaba-se por afastar as pessoas do mesmo. Isto gera situações em que se espalham ainda mais pseudociências e crendices prejudiciais tanto para a Ciência quanto para as Religiões mais tolerantes em relação a conhecimentos divergentes de suas bases dogmáticas.
A utilização da Ciência para a comprovação da não existência de divindades criadas pelos humanos, principalmente por ateus militantes, acaba gerando uma imagem popular distorcida da Ciência, onde esta passa a ser vista como uma inimiga de qualquer manifestação religiosa. Fato que não possui uma completa veracidade, talvez o aspecto mais conflituoso seja que a Ciência implica que certos aspectos dos livros supostamente sagrados estejam errados, mas não na inexistência de uma divindade em si. Considerando esta numa visão panteísta ou deísta, e não em uma divindade que interfere no mundo em resposta a pedidos, desejos e orações humanas.
Vamos pegar como exemplo inicial a teoria do Big Bang, atualmente tão combatida por religiosos, tal teoria implica na origem do Universo a partir do nada. É um fato curioso essa briga atual, pois inicialmente quem não gostou desta teoria foram os físicos e astrônomos. A teoria do Big Bang, também chamada inicialmente de hipótese do átomo primordial, foi desenvolvida pelo padre católico, astrônomo e físico Georges Lemaître, e por que os demais pesquisadores não apreciaram essa hipótese? Oras, pois se o Universo teve um momento inicial de surgimento, ele pode ter surgido do nada como pode ter surgido de uma divindade, por isso os demais pesquisadores preferiam as hipóteses que implicavam que o Universo era eterno, sem um começo e sem um fim.
Mas vejam que mesmo com essa resistência inicial, com o aumento de acúmulo de dados e pesquisas, a teoria do Big Bang acabou tendo uma melhor fundamentação e como os dados analisados demonstraram a veracidade desta ocorrência, a Ciência passou a aceitar este corpo teórico. Porém, os motivos que levam atualmente os religiosos a desgostarem dessa teoria, são incompreensíveis, pois muitos livros supostamente sagrados mencionam um momento de criação do Universo. Havendo, é claro, apenas divergências em relação ao tempo transcorrido entre o surgimento do Universo e vida.
Por que a Ciência então mesmo tendo aceitado uma criação para o Universo não aceitou plenamente junto com este fato a existência de uma divindade? Porque isto não foi demonstrado pelos dados obtidos, sabe-se que houve um momento de criação, mas não se sabe o que havia antes dele. E também pelo fato de que, é melhor manter a dúvida do que fazer afirmações errôneas sobre certos aspectos do Universo que ainda não podemos obter dados. E por quê? Porque se respondermos que o Universo veio de uma divindade, isso implicará no surgimento de mais perguntas, do que de respostas. Se uma divindade criou tudo, de onde surgiu essa divindade? Quem foi que criou a divindade? Se a divindade veio do nada, porque o Universo não pode vir do nada? Se a divindade pode ser eterna, por que o Universo ou o Multiverso não podem? Mantém-se então a incerteza.
Nosso segundo exemplo será a Evolução. Neste fato, temos também o mesmo problema anterior, a Evolução não implica na inexistência de uma divindade criadora, mas sim na questão de os livros supostamente sagrados estarem errados. Vamos por alguns momentos imaginar o seguinte, um divindade gera o universo num experimento próprio para ver qual a probabilidade de que um planeta entre milhares ou milhões poderá gerar vida, não é uma possibilidade? Ou vejamos da seguinte forma, a divindade acompanhou o desenvolvimento do Universo e interferiu para o surgimento da vida em algum lugar específico, porém vendo que este planeta é instável, dinâmico, com constantes mudanças, por que criaria espécies prontas e fixas? Para ter que ficar o tempo todo interferindo no andamento da vida? Não seria mais sensato criar espécies que sofram variações a cada geração e que assim poderiam estar em constante modificação e adaptação diante das alterações que ocorrem neste planeta? Assim elimina-se a necessidade da própria divindade ter que interferir a todo o momento em sua criação, pois ela mesma há de modificar-se ao longo do tempo e tornar-se adaptada diante das novas condições ambientes que surgem.

Assim percebemos, mesmo que rápida e superficialmente, que as duas áreas mais conflitantes entre Ciência e Religião não são mutuamente excludentes. É possível a existência de uma quimera entre ambos, não sei ao certo ainda se positiva ou negativa. Porém há esperança para a conciliação entre estas duas áreas, mantendo o pleno conhecimento científico, sem excluir uma ideia de possibilidade de divindade. O que realmente a Ciência implica é em tornar errônea uma interpretação literal dos mitos de criações religiosos, e possivelmente também, na impossibilidade de existência de uma divindade que interage com sua criação diante de qualquer aflição humana. Focando-se então numa visão panteísta/deísta, com ausência de certas manifestações sobrenaturais e pseudocientíficas propagadas por diversas mídias atualmente.