quarta-feira, 10 de junho de 2015

A farsa dos sucos Detox e os riscos da fitoterapia


Autor: Mario Arthur Favretto


Recentemente ganhou popularidade em diferentes mídias os chamados sucos “detox” que supostamente podem eliminar as toxinas de seu corpo, por serem compostos de diferentes partes de vegetais (frutos, folhas, raízes, etc). Há mais tempo temos a constante presença da utilização de produtos fitoterápicos, extratos alcoólicos de plantas ou chás. Ambos partindo do princípio de que tudo que é natural, ou seja, se não foi manipulado pelo homem, é saudável. Apenas por este aspecto as ideias já parecem ser deturpadas, pois só pelo fato de um produto ser natural, isto não significa que ele seja saudável. A natureza possui muitas guerras, e muitas delas são guerras químicas, ou você se arriscaria a comer qualquer cogumelo que aparecesse em sua frente apenas por ser algo natural? Ou se deixar ser picado por uma serpente, por ela ser natural?
Caso você não saiba, nosso organismo possui órgãos moldados ao longo da evolução para realizar a função de desintoxicar o organismo. Isso mesmo! O fígado e os rins. O primeiro destrói diversas substâncias presentes no sangue, metabolizando-as em substâncias mais simples ou eliminando-as, como o álcool originário de bebidas. Enquanto os rins filtram o sangue, eliminando diversas substâncias tóxicas originadas pelo metabolismo, como, por exemplo, a ureia. Desta forma, se a pessoa já absorveu na digestão substâncias tóxicas, terá que contar quase exclusivamente com o funcionamento de seus órgãos para eliminá-las.
Um suco de vegetais não poderá ajudá-la. Em casos de intoxicações graves por ingestão de certas substâncias, se não se passaram muitas horas, pode ser utilizado o carvão ativado, que possui alta porosidade, e assim, pode adsorver as substâncias tóxicas quando elas ainda estão no sistema digestório, reduzindo a quantidade que será absorvida pelo organismo. E por que os sucos não servem para desintoxicação?
Plantas são seres vivos que não têm como se deslocar, como fugir ou lutar contra seus predadores, assim para se manter vivas muitas espécies foram selecionadas ao longo da evolução de forma a produzir metabólitos secundários, substâncias que não estão diretamente ligadas ao crescimento e reprodução das plantas. Mas que podem apresentar toxicidade e assim prejudicar animais herbívoros que tentem se alimentar delas. Por exemplo, qual o benefício de uma planta, como a couve ou a alface (ambas usadas em sucos detox) em se deixar ser devorada por herbívoros? Ainda mais deixar suas folhas, das quais elas dependem para realizar a fotossíntese, serem prejudicadas por um animal tentando se aproveitar dela. Como solução, variedades destas plantas que possuem maior quantidade de toxinas conseguem ter maior sucesso reprodutivo e, em consequência, aumentar os genes da produção de toxinas nas populações da espécie.
Ao longo de milhares de anos os seres humanos vêm realizando seleção artificial de forma a obter variedades vegetais mais palatáveis, porém ainda hoje temos plantas que ainda possuem toxinas contra herbivoria. Muitas delas são vegetais com gostos amargos, como agrião e rúcula. E até mesmo essa percepção de gosto amargo pode variar conforme a pessoa, se crescemos ingerindo estes vegetais com toxinas, nosso fígado pode acostumar-se a eliminar estas substâncias de nosso organismo. Enquanto para outras pessoas não. É provavelmente por este motivo que o brócolis pode parecer mais ou menos amargo dependendo da pessoa e da capacidade de desintoxicação de seu fígado (Nesse & Williams, 1997)! No caso deste vegetal, a presença de polifenois e taninos podem prejudicar as mucosas intestinais e também reduzir a absorção de certos nutrientes (Santos, 2006). Ou seja, os vegetais não realizam a desintoxicação, nossos órgãos sim.
Devemos ressaltar também que a ingestão de toxinas vegetais ocorre não apenas na alimentação, mas também por meio de remédios fitoterápicos, pois estes também lidam com os metabólitos secundários de plantas, sem, no entanto, isolá-los. Ou seja, assim como você poderá ingerir uma substância com potencial terapêutico, estará ingerindo uma dezena de outras que podem prejudicar ainda mais o seu organismo. Por exemplo, o uso de chás de flores ou folhas Passiflora (maracujás) para fins sedativos e calmantes resulta na ingestão de diversos alcaloides e flavonoides, e até de cianeto, dependendo a espécie deste gênero, resultando em efeitos adversos cardiovasculares e gastrointestinais. Outra planta, Plantago ovata é indicada para prisão de ventre, emagrecimento e diabetes, porém seu uso está associado com o risco de causar obstrução esofágica. O famoso chá de ginseng Panax ginseng pode ocasionar sangramento vaginal, alteração do estado mental, hipertensão, insônia e diarreias (Turolla & Nascimento, 2006; Carvalho et al., 2011).
No caso da ingestão de vegetais para alimentação, muitas toxinas podem ser eliminadas pelo cozimento, que ocasiona desnaturação destas substâncias e a quantidade de diversas toxinas também foi reduzida por meio de seleção artificial, porém muitas outras ainda assim permanecem. Já no caso da fitoterapia, a ingestão de chás e remédios que não passaram por teste de toxicidade implica na ingestão de uma bateria de toxinas que nem mesmo imaginamos os males que podem ocasionar. Desta forma, demonstra-se que sucos ditos “detox” não realizam nenhuma função de desintoxicação, pois os vegetais naturalmente possuem substâncias para defesa contra herbivoria e que podem nos prejudicar. Se quisermos um melhor funcionamento de nosso organismo, o melhor é evitar outras substâncias ainda mais tóxicas como excesso de bebidas alcoólicas, que podem resultar na inutilização de diversas células do fígado. E assim, dificultar seu funcionamento nos processos de desintoxicação por parte de substâncias ingeridas em alimentos essenciais como os próprios vegetais que apesar de trazerem benefícios também trazem um preço a se pagar pela sua ingestão.

Referências
Carvalho, F.K.L.; Medeiros, R.M.T.; Araújo, J.A.S.; Riet-Correa, F. 2011. Intoxicação experimental por Passiflora foetidae (Passifloraceae) em caprinos. Pesquisa Veterinária Brasileira 31(6): 477-481.
Nesse, R.M.; Williams, G.C. 1997. Por que adoecemos: a nova ciência da medicina darwinista. Campus/Elsevier. 287p.
Santos, M.A.T. 2006. Efeito do cozimento sobre alguns fatores antinutricionais em folhas de brócolis, couve-flor e couve. Ciência e Tecnologia de Alimentos 30(2): 294-301.
Turolla, M.S.R.; Nascimento, E.S. 2006. Informações toxicológicas de alguns fitoterápicos utilizados no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas 42(2): 289-306.

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