sexta-feira, 17 de julho de 2015

Mundo, uma criação imperfeita

Autor: Mario Arthur Favretto



Um dos muitos argumentos que ouvimos sobre o mundo ser fruto de uma divindade é aquele que afirma que tudo é perfeito, que tudo no mundo está conectado por energias ocultas, a forma como as espécies estão conectadas, a abelha com seu papel essencial na polinização de certas plantas, o corpo humano, etc. Uma ideia de perfeccionismo onde nós mesmos seríamos considerados seres perfeitos, afinal imagens da própria divindade conforme alguns textos religiosos.

Fonte da imagem: Yathin S. Krishnappa. Wikimedia Commons.

Porém, a natureza não é um meio recheado de benevolência, ela é indiferente perante as situações humanas, em si, não é nem uma entidade imaginativa como uma “mãe-natureza”. O que chamamos por natureza nada mais é do que o resultado de múltiplas interações entre diferentes populações de diferentes espécies coexistindo em um mesmo planeta. Ao longo de milhões de anos de evolução algumas destas interações se tornaram mais “íntimas”, se especializaram, gerando esse aspecto superficial de organização perfeita que algumas pessoas acreditam que seja.
Por detrás deste manto de natureza pacífica, vemos que sua indiferença resulta tanto em resultados que consideramos belos, quanto em resultados terríveis. O mais geral destes resultados que poderíamos considerar terrível é pensar que vivemos em um mundo onde os seres vivos precisam matar ou explorar uns aos outros para sobreviver. Os herbívoros arrancam e dilaceram partes de plantas para sobreviver, prejudicando-as e estas revidam com produção de toxinas. Os carnívoros matam e evisceram outros animais para obter seu alimento. Os parasitas sugam nutrientes ou ingerem partes não vitais de suas vítimas, mantendo-as vivas enquanto vão lentamente se alimentando delas.
O próprio Charles Darwin já havia se assustado com certos aspectos violentos da natureza, como certas espécies de vespas parasitas. Estas possuem como vítimas larvas de Lepidoptera (borboletas e mariposas), nas quais as vespas injetam seus ovos, que, aoeclodirem, passam a devorar sua vítima viva, de dentro para fora. Ou o que dizer de todas as doenças bacterianas, virais ou parasitárias que matam milhões de pessoas todos os anos. Não, não vivemos em um mundo que possa ser considerado como uma criação perfeita. Se este mundo foi criado por alguma divindade, os conceitos de perfeição desta devem no mínimo ser deturpados, e acredito que qualquer um de nós poderia gerar um mundo onde não haveria tanta violência e evisceração.
Isto resulta que não devemos usar a natureza como inspiração para ética e moralidade, estes dois conceitos devem vir de uma reflexão filosófica e de resultados positivos que possam ser obtidos entre as interações humanas e destes com outros seres vivos. Algumas pessoas querem justificar certos comportamentos por ocorrerem em outros animais, comportamentos inofensivos como a homossexualidade, porém se a justificativa desta orientação for baseada na natureza, também a escravidão poderá ser, pois ocorre entre formigas. E também o estupro, a guerra, o infanticídio que ocorrem entre outros animais, como nos símios tão próximos evolutivamente de nós. Ou seja, justificativas de conduta/comportamento social não devem ser baseadas em exemplos da natureza, não obtemos ética e moralidade desta, e sim da reflexão e filosofia. Por isso que, por exemplo, a questão da homossexualidade não se justifica pela existência em outras espécies, e sim pelo fato de esta não realizar mal nenhum para outros seres vivos, trata-se apenas de uma interação amorosa entre dois indivíduos.
Diante desta indiferença da natureza, só nos resta questionar, se o mundo assim o é, nos resta apenas a possibilidade de um deísmo ou panteísmo para aqueles que assim desejam a existência de uma divindade. Um ser que criou o universo apenas para ver o que ocorreria e quais rumos seguiria, sem interferências posteriores, sem eliminação da violência da natureza. Apenas um espectador diante dos caminhos tortuosos que a evolução segue neste nosso pequeno planeta. E neste vasto mar de incertezas, nos resta a reflexão crítica, a filosofia e a ciência para ser a base moral e ética de nossos comportamentos, pois inerentemente todos sabemos quando realizamos um ato que prejudicou outras pessoas e quando este foi benéfico, esta é base de nossa moralidade.

Larvas de vespas parasitoides devorando uma larva de borboleta de dentro para fora.